terça-feira, 7 de outubro de 2008

Nervos confusos causam dor no lugar errado

Quando alguém tem um ataque cardíaco, um dos sintomas clássicos é uma pontada de dor que sobe pelo braço esquerdo. Agora, surgiu a conclusão de que esse sintoma tem algo em comum com uma forma muito mais benigna de dor: a dor e cabeça que algumas pessoas sentem quando comem sorvete rápido demais. Ambas são exemplos do que os médicos definem como dor referida, ou dor que é sentida em outra área do corpo que não aquela da qual se origina. Essas excentricidades sensórias incluem dores de dente causadas por torção da porção superior das costas, dor nos pés causada por tumor de útero e desconforto nos quadris causado por artrite no joelho. A dor referida pode dificultar os diagnósticos e resultar em injeções de cortisona desnecessárias ou em local indevido, extrações de dentes e cirurgias. Agora, ao tentar descobrir os padrões e causas do fenômeno, os pesquisadores afirmam que estão adquirindo maior compreensão sobre como o sistema nervoso funciona e como seus sinais podem se emaranhar. "O corpo pode realmente enganar quem está tentando determinar a causa de uma patologia", disse Karen Berkley, professora de neurociências na Universidade Estadual da Flórida. As pesquisas dela têm por foco a dor referida causada pela endometriose e essas dores podem se fazer sentir em pontos distantes do corpo, como a mandíbula. Uma possível explicação se refere à maneira pela qual as fibras nervosas do corpo convergem na e enviam sinais pela coluna dorsal. Cada insumo nervoso porta volume espantoso de informação sobre o corpo. "O que supomos aconteça é que a informação ocasionalmente perca sua especificidade, ao se mover pela coluna em direção ao cérebro", disse Berkley. Na constante dinâmica de excitação e inibição que ocorre durante o transporte de inumeráveis impulsos nervosos, ela prossegue, "nem sempre podemos discernir de onde provém uma mensagem sensória". Em geral os sinais confusos surgem de nervos que se sobrepõem ao entrar na coluna dorsal - do coração e do braço esquerdo, por exemplo, ou da vesícula e do ombro direito. Essa chamada adjacência de impulsos nervosos provavelmente explica por que algumas pessoas reportam uma sensação em suas coxas quando precisam ir ao banheiro ou sentem os dedos dos pés formigando durante um orgasmo. Além disso, quando o estímulo deriva dos órgãos internos, a sensação é muitas vezes percebida como oriunda do peito, braços, pernas, mãos ou pés. "O cérebro está mais acostumado a sentir algo nessas regiões do que nas vísceras", disse Gerald Gebhart, diretor do Centro de Pesquisa sobre a Dor da Universidade de Pittsburgh. Em estudo publicado no ano passado, pesquisadores da Universidade de Aalborg, na Dinamarca, aplicaram substâncias irritantes nos intestinos grossos e delgados dos participantes, e encontraram fluxo sangüíneo ampliado e temperaturas elevadas em locais de dor referida no tronco e nas extremidades do corpo. O estudo foi publicado pelo European Journal of Pain. A dor também pode ser referida a áreas que não apresentam nervos sobrepostos. Isso ocorre mais freqüentemente depois de uma lesão, de acordo com o Dr. Jon Levine, neurocientista da Universidade da Califórnia em San Francisco. Isso pode acontecer, de acordo com ele, devido à "memória da dor", que faz com que o cérebro tenha mais probabilidade de "experimentar uma sensação nova como proveniente de um local que já sofreu passadas lesões". Diversos estudos usando sistemas de ressonância magnética sustentam essa hipótese. Áreas do cérebro que correspondem a porções do corpo que já tenham sido lesionadas muitas vezes se iluminam quando outra parte do corpo é cutucada ou estimulada. Inflamação generalizada e persistente em resposta a uma lesão atual ou passada por causar o que os médicos definem como "sensibilização periférica", ou excitação de nervos em outras partes do corpo. Esses nervos somáticos ficam em alerta elevado e prontos a disparar sinais de dor diante da menor provocação. O Dr. Emeran Mayer, gastroenterologista da Universidade da Califórnia em Los Angeles e estudioso da dor referida no abdome, diz que "quanto mais dor uma pessoa tenha experimentado ou esteja experimentando, mais provável que encontremos lugares de referência atípicos". A dor referida também pode derivar dos pontos de deflagração - nódulos tensos que se desenvolvem no interior dos músculos. Esses pontos foram descritos pela primeira vez nos anos 60, pela Dra. Janet Travell, que tratava das dores nas costas do presidente John Kennedy. A matriz de pontos de deflagração e seu padrão previsível de dor referida apresenta "notável correspondência com os meridianos da acupuntura na medicina chinesa", disse o Dr. Jay Shah, do departamento de medicina de reabilitação no Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. Os tratamentos usados para essa condição podem incorporar não apenas analgésicos como remédios que acalmam o sistema nervoso central, como os medicamentos de combate à epilepsia e os que controlam a reabsorção de serotonina. A acupuntura e terapia dirigida aos pontos de deflagração também ganharam aceitação, bem como abordagens psicológicas que encorajam os pacientes a se concentrar na origem da dor e não no local que está doendo. Pesquisas conduzidas em 2003 na Universidade de Bath, Inglaterra, e publicadas pela revista britânica Rheumatology revelaram que as dores referidas dos pacientes se reduziam ou desapareciam se eles vissem o ponto em que a pressão estava sendo de fato aplicada. "Pacientes e médicos igualmente", disse Berkley, "precisam se recordar de que o local em que uma dor é sentida nem sempre será a origem do problema".

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